terça-feira, fevereiro 03, 2015

Baixa Visão

3. B
Baixa Visão

Com o passar dos anos vamos perdendo capacidades que nos habituámos a ter como companhia certa do quotidiano. Os sentidos e as competências sensoriais vão acompanhando o embranquecer dos cabelos e tornando evidente que vamos ouvindo com maior dificuldade, que perdemos alguma da sensibilidade e destreza motora e que a dificuldade em ver aumenta de dia para dia.
Ler e, consequentemente, absorver a realidade que nos rodeia, torna-se uma tarefa cada vez dificil que uma ajuda técnica centenária (os óculos e/ou uma lupa ou lente de aumentar) podem ajudar a colmatar.
A ausência da visão, ainda que parcial e devida a diferentes fatores, torna-nos conscientes da diferença e integra-nos, gradualmente, nesse mundo da deficiência e ou da incapacidade.
Passamos a apresentar limitações, de carácter permanente, ao nível da atividade e da participação que, nalguns casos uma intervenção cirúrgica e/ou uma ajuda técnico, como já referido anteriormente, podem resolver e/ou atenuar. Neste capítulo, as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) permitem, na atualidade, aumentar o nível de atividade e de participação de todas as pessoas que apresentem problemas ao nível da Baixa Visão. Computadores, telemóveis, tablets,..., integram um conjunto de ferramentas que facilitam a acessibilidade no uso das tecnologias e no acesso à informação que são, hoje, um dos pilares base da organização das sociedades. No caso dos cidadãos e cidadãs que apresentam problemas ao nível da Visão a acessibilidade na utilização das TIC integra todos os sistemas operativos que existem no mercado. Adicionalmente foram desenvolvidas, ou encontra-se em fase de desenvolvimento, uma série de aplicações (apps) que procuram aumentar o nível de acessibilidade ao fantástico mundo possibilitado pelas TIC.
Mas longe de ser um problema relacionado com o natural envelhecimento do ser humano, a Baixa Visão, é uma problemática transversal a todas as idades e, por isso, passível de interferir com o normal desenvolvimento da criança, dificultando a apreensão da realidade nos diferentes contextos de vida e consequentemente dificultando o acesso normal à aprendizagem.
O despiste precoce de possíveis dificuldades ao nível da Visão (e da Audição) ajudam a solucionar a grande maioria dos problemas sensoriais e parte significativa dos problemas apresentados ao nível da aprendizagem.
Para isso há que estar atento. Passando a redundãncia do tema há que olhar, mas mais importante, há que ver. Esta é uma tarefa a que pais, educadores e professores devem prestar o maior cuidado para que a intervenção se realize de forma adequada e atempadamente.
Posteriromente, a adequação de fatores como a iluminação dos espaços e dos objetos, o tamanho de letra e de imagem, registos multiformato (visual e áudio), posicionamento em relação à fonte emissora de imagem, organização da sala e dos espaços de existência (como a sala de aula e acessos),..., são soluções fáceis de adotar que exigem apenas vontade e adaptibilidade por parte das redes sociais de (co)existência.
Tecnicamente, a Baixa Visão pode ser congénita (estar presente desde o nascimento) ou ser adquirida em determinado período da vida, devido a lesão ou patologia. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) podemos dizer que um ser humano apresenta Baixa Visão quando existe, após tratamento e/ou correção refrativa) uma acuidade visual inferior a 3/10 ou uma restrição do campo visual inferiror a 10º (o campo de visão normal é aproximadamente de 180º).[1]
Sendo a visão o sentido mais importante para a relação com o meio, compreendemos facilmente que, uma limitação visual não detetada precocemente irá influenciar de forma direta as inúmeras informações que o ambiente nos oferece e limitar a forma como interafimos com e nesse ambiente.
Uma criança que não consegue ver o brinquedo ou o livro que ficou fora do seu ângulo de visão, que não dá pela entrada da mãe, do pai, ou do animal de estimação na sala onde se encontra, fica limitada na interação com esse brinquedo e na aprendizagem que a sua utilização poderia facultar. Perde capacidade de exploração do meio ambiente, de adaptação, de antecipação,...
Neste muito que fica por dizer sobre esta problemática não podemos deixar de referir que a par das ajudas técnicas já referidas existe um conjunto de estratégias simples de adotar (como utilizar a luz, o contraste, o brilho, fitas de orientação,...) que podem marcar toda a diferença na forma como as crianças, jovens e adultos que apresentam problemas de Baixa Visão interagem, aprendem e vivem marcando o valor qualitativo com que o fazem.
No nosso concelho e cidade existe desde o ano letivo de 2013-2014 uma Escola de Referência para o atendimento a alunos e alunas que apresentem problemas ao nível da Baixa Visão e da Cegueira. Fica sedeada na Escola Secundária Sebastião da Gama em Setúbal.[2] Contudo as Unidades Especializadas de Apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita, como a Unidade do nosso Agrupamento de Escolas que fica sedeada na Escola nº 9 de Setúbal, do Casal das Figueiras, acompanham e apoiam alunos e alunas que, em comorbilidade, apresentam problemas de Baixa Visão e que por isso necesitam de ajudas técnicas específicas. 

João Paulo Amaral
(professor de educação especial e coordenador da UM – Unidade Especializada de Apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita)


Para saber mais (fontes):
·         http://www.cebv.pt/

A Ver:

DOCUMENTÁRIO EDUCATIVO BRASILEIRO BAIXA VISÃO 3 PARTES
·         https://www.youtube.com/watch?v=_6oaeyoAKfE (1ª Parte);
·         https://www.youtube.com/watch?v=3VO2hVLMN98 (2ª Parte);
·         https://www.youtube.com/watch?v=CFJz5Soz34o (3ª Parte).

A Ler:
(para download gratuito)









[1] In, A Criança com Baixa Visão – Um Guia para Pais; Equipa da Consulta de Baixa Visão do Hospital Pediátrico de Coimbra, Abril 2013, pág. 4.
[2] No âmbito do disposto no decreto-lei 3/2008, de 7 de janeiro, o  Ministérior da Educação e Ciência  criou uma rede de escolas de referência para a inclusão de alunos e alunas cegos/as e com baixa visão, com vista a concentrar meios humanos e materiais que possam oferecer uma resposta educativa de qualidade a estes alunos. Ver, Escolas de Referência para a Educação de Alunos Cegos e com Baixa Visão em: http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaoespecial/index.php?s=directorio&pid=55

AUTISMO (Perturbação do Espetro do)

2. A
AUTISMO (Perturbação do Espetro do)

Escrever sobre o Autismo é falar um pouco de nós próprios. Uma espécie de olhar que se lança no espelho e que reflete os nossos receios, desconfortos, medos e incapacidades face a um mundo que por vezes se apresenta sem sentido, vazio, desestruturado e violento. Um mundo que nos confunde os sentidos e nos leva ao fechamento em torno de nós próprios. Ao longo destes quase vinte anos de docência na Educação Especial tive o privilégio de (com)viver, em contexto escolar, com mais de uma dezena de crianças e jovens que se enquadravam naquilo que, hoje, conhecemos por Perturbação do Espetro do Autismo. De cada um e de cada uma (são mais os rapazes do que as raparigas que apresentam esta Perturbação), guardo sinais de descoberta de personalidades únicas e características pessoais que me levaram a questionar profundamente, de forma quase filosófica, o sentido do ser e da (co)existência com os outros seres vivos e objetos que nos rodeiam. Entre milhentas descobertas fui tomando consciência de que, na vida, é mais o que nos une do que aquilo que nos separa e de que um ambiente protetor em que nos sintamos amados e protegidos nos torna, a todos e a todas, mais felizes e saudáveis… e descoberta fundamental… a Escola Inclusiva e para tod@s ajuda-nos a percorrer essa estrada feita caminho em que juntos somos mais gente com gente.
Claro que muito pouco de tudo isto vem nos livros ou nos estudos científicos sobre o Autismo.
O que dizem os livros…
 O Autismo é uma disfunção global do desenvolvimento. Uma alteração que afeta a capacidade do ser humano em comunicar (verbalmente e não verbalmente), em socializar-se (estabelecendo relações interpessoais adequadas) e em apresentar comportamentos reconhecidos como descontextualizados em relação aos diferentes ambientes de vida e às atividades realizadas nesses mesmos ambientes.
Descrito pela primeira vez, em 1943, pelo médico austríaco Leo Kanner e pelo seu colega e conterrâneo Hans Asperger em estudos distintos, independentes e geograficamente separados, a palavra Autismo tinha sido utilizada, em 1911, pelo Dr. Eugene Bleuler como caraterística de um dos sintomas da esquizofrenia que descreveu como «… fuga à realidade…».
Os trabalhos e estudos científicos recentes têm um maior conhecimento das causas do Autismo possibilitando o diagnóstico nos primeiros anos de vida e consequentemente a intervenção educativa precoce adequada ao desenvolvimento de cada uma das crianças que apresentam este transtorno no desenvolvimento.
Alguns dos métodos de tratamento e intervenção mais conhecidos e utilizados na atualidade são:
-       O método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children). É um dos métodos de intervenção mais utilizados e espalhados pelo mundo. Recorre à utilização de diferentes estímulos visuais e auditivos com o objetivo de desenvolver a linguagem, melhorar a aprendizagem e reduzir e gerir os comportamentos.
-  O ABA (Applied Behaviour Analysis). Trata-se de uma método que, como o próprio nome indica, utiliza a Análise do Comportamento Aplicada tendo por base os conhecimentos facultados pela psicologia comportamental.
- A Farmacoterapia é uma área que, apesar de alguma polémica, é hoje reconhecida como muito importante ao nível da ajuda à intervenção socioeducativa e comportamental. Depende sobretudo das características e das necessidades individuais (redução de comportamentos obsessivos, estereotipias, comportamentos auto e heteroagressivos, alheamento,...
- O PECS (Picture Exchange Communication System) é um recurso de enorme importância utilizado no desenvolvimento da linguagem e da comunicação em autistas verbais e/ou não-verbais. Trata-se de um sistema composto por figuras que espelham as necessidades, ações e/ou os interesses individuais. Para além da comunicação este sistema facilita a compreensão e a gestão comportamental. O recurso a imagens representativas do contexto quotidiano de vida é uma alternativa a ponderar para a planificação e a gestão de rotinas de trabalho assim como para as escolhas individuais.
- Educação Inclusiva na escola regular, na área de residência (se possível), no meio dos amigos, colegas e vizinhos e assistido por uma equipa transdisciplinar adequada às necessidades individuais. Tem demonstrado ser o ambiente mais adequado ao pleno desenvolvimento de todas as competências apresentadas pelas crianças e jovens enquadrados no espetro do autismo assim como de todos os seus colegas que frequentam os mesmos espaços educativos e escolares. Basta, sobretudo, que os recursos adequados existam mas também que a disponibilidade e o amor se encontrem presentes como uma constante. Uma vontade que torne possível adequar e introduzir as alterações necessárias ao nível da organização e da gestão dos espaços educativos e escolares. Continua a ser uma aposta lançada ao futuro.

João Paulo Amaral
(professor de educação especial e coordenador da UM – Unidade Especializada de apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita)

Para saber mais (fontes):
·         http://www.fpda.pt/
·         http://www.appda-setubal.com/

A Ver:
·         Temple Grandin, realização Mick Jackson (2010, EUA)
Trailer em http://www.youtube.com/watch?v=cpkN0JdXRpM
Encontro de Irmãos (Rain Man), realização Barry Levinson (1988, EUA)

A Ler:




U NIDADE (Especializada de Apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita)

EDUCAÇÃO ESPECIAL  DE [ A..Z]
Uma rubrica do professor João Paulo Amaral


1.     U NIDADE (Especializada de Apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita)
Tudo começou há 6 anos.
Seis… é uma mão cheia mais um.
Significa que já se fez caminho, se quebrou etapa e se partiu em busca dum novo ciclo de viagem.
Que um dia, lá mais atrás no tempo, se disse SIM. E o sim tem a importância afirmativa do compromisso que cada aceitação guarda perante a incerteza do futuro.
No início, com a recusa de alguns e o silêncio de outros, o nosso Agrupamento aceitou o desafio lançado pelo então Coordenador da Equipa de Apoio às Escolas da Península de Setúbal Sul e assim nasceu a UM. A primeira Unidade Especializada de Apoio à Multideficiência e Surdocegueira Congénita do Concelho de Setúbal destinada a apoiar e acompanhar, em contexto escolar inclusivo, crianças portadoras de Multideficiência e surdocegueira Congénita com limitações muito significativas ao nível da atividade e da participação. Meninos e meninas que a diferença arrastava, inconsequentemente, para lá do espaço comum de coexistência. Para a exclusão.   
Tenho ainda presente a memória dos primeiros dias, os dias do início, os dias em que o futuro se encontrava ainda distante.
As obras na Sala e na casa de banho. A chegada do nosso primeiro aluno, o João.
Depois a vinda da Catarina e a «descoberta» daquele rapazinho sorridente de voz forte e cabelo escuro como a noite, o Gui.
Depois eram seis, quase tantos como o aniversário que agora completamos, seis crianças de idades compreendidas entre os seis e os onze anos de idade, e uma adolescente cativante de 15 anos de idade.
Depois sete com a chegada dum rapazinho irrequieto, de vós ausente e comportamento desafiante que o vento da negação trouxe até nós. E o Autismo mudou-nos a sala. Estruturou-nos o pensamento e as ações. Fomos mais além.
E como viver é também partir. Fomos aprendendo a dizer adeus a todos aqueles rapazes e raparigas de quem cuidámos e que nos braços e perante o nosso olhar foram crescendo.
Tudo o que vivemos até hoje naquele espaço quadrangular a que chamamos Unidade e na escola que lhe serve de sede dava para preencher o branco imaculado de páginas e páginas de riso, de tristeza, de vontade e de sonho. O sonho adiado de ver nascer no seio do nosso Agrupamento, escola nova a brilhar de futuro, uma Unidade de 2º e 3º ciclo que permitisse a continuidade destes alunos no seio da nossa comunidade educativa.
O sonho. O sal dos sentimentos que nos enche a vida.
Recordo tantos e tantos rostos de alunos, alunas, professores, assistentes operacionais, pais, técnicos, estagiárias e amigos que passaram pela nossa sala. Tantos acontecimentos, tantos gestos, muito que aprendi.
Hoje a Unidade acompanha e apoia dois alunos, um menino e uma menina que connosco estão há quatro anos e que este ano letivo terminarão o 1º Ciclo do Ensino Básico. São alunos da escola, dela fazem parte e a ela pertencem tal como a Escola lhes pertence por direito e por justiça.
A estes alunos a UM presta apoio especializado nas áreas de Educação Especial e Reabilitação, Fisioterapia, Terapia da Fala, Psicomotricidade, Shiatsu, Psicologia e a frequência de atividades de Estimulação Multissensorial – Sala Snoezelen, Hipoterapia, Fisioterapia em Meio Aquático e Desporto Adaptado-BOCCIA.
Atualmente, perante a incerteza do futuro, guia-nos a coragem de quem segue um caminho desconhecido cujo fim se deseja distante. Um caminho que só se faz na Escola de TODOS e para TODOS. O lugar onde as diferenças se encontram e caminham lado a lado… Porque JUNTOS SOMOS MAIS.
Da nossa parte, seguindo as palavras do poeta, sabemos que «…o caminho faz-se caminhando…», mesmo que em cadeira de rodas…
DEZEMBRO 2013
João Paulo Amaral

(coordenador da UM-UEAMSC)